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RUÍNAS

No primeiro momento, procuro respostas para o porquê de gravar em imagens as ruínas das praias de Olinda. O que nos atrai, como artistas e pesquisadores, à um mapeamento das ruínas da costa da cidade?

RUINOFILIA

por Beatriz Arcoverde

No primeiro momento, procuro respostas para o porquê de gravar em imagens as ruínas das praias de Olinda. O que nos atrai, como artistas e pesquisadores, à um mapeamento das ruínas da costa da cidade? 

 

Como aponta a teórica em estudos culturais Svetlana Boym, enquanto que edifícios meio destruídos e fragmentos arquitetônicos tem existido desde o início da cultura humana, a ruinofilia surge em nossos tempos. Existe uma distinção histórica para o "olhar de ruína" que pode ser entendida como a ótica particular que enquadra a nossa relação com as ruínas modernas, ao despertar a consciência dos lados mais sombrios do progresso. A cidade arruinada é, e as ruínas contemporâneas são, atraentes por razões históricas e culturais: emergindo em molduras de interpretação como resultado do desenvolvimento de noções do pitoresco e nostálgico. A 'atração' da beleza efémera é desgastada, revelando a estrutura essencial, seja de objeto ou de ideia.

 

As ruínas escapam à definição. É difícil determinar o momento em que as construções se tornam ruínas. Essencialmente, existe a questão de uma investigação semântica, que é também uma busca da arte contemporânea. Há apenas o entendimento de que algo que foi concebido no espaço das ideias e materialmente por “humanos” foi retomado por forças “naturais”, que assim misturam cores e texturas de volta ao seu estado bruto e inicial. Ruínas são também locais para uma nova exploração e produção de significados.

 

Como também assinala Boym, "ruína" significa literalmente "colapso" - mas na realidade, as ruínas são mais sobre restos e lembretes e por isso nos são tão fascinantes. Elas fazem-nos pensar no passado que poderia ter sido e no futuro que não teve lugar, atormentando-nos com sonhos utópicos de escapar à irreversibilidade do tempo. Ruínas "colapsam" tanto o excepcionalismo da modernidade como as fronteiras disciplinares entre antropologia, arqueologia, arquitetura e abordagens das artes e humanidades. Descrições históricas de ruínas até então englobam noções de sublime, pitoresco, romântico, nostálgico, e recontam com uma integralidade do passado, segundo Boym. Mas hoje, são também mudadas para mesclar-se com os efeitos culturais e psicológicos da economia neoliberal.  

 

No início do século XX, o sociólogo Georg Simmel formulou uma teoria de ruínas que ressoa com as preocupações contemporâneas aqui apresentadas. De acordo com Simmel, as ruínas são o oposto do momento perfeito, impregnado de potenciais; revelam em "retrospectiva" o que este momento epifânico tinha em "perspectiva". No entanto, ruínas não apenas marcam decadência, mas também apontam para um certo perspectivismo imaginativo na sua dimensão esperançosa e trágica. Simmel viu no fascínio das ruínas uma forma peculiar de "colaboração" entre a criação humana e a criação natural. 

 

O olhar em ruína contemporâneo exige uma aceitação da desarmonia e da relação contra pontual da temporalidade humana, histórica e natural. Mais importante ainda, a atual ruinofilia do qual falamos a respeito, não é apenas um mal-estar, mas diz-se um reflexo das nossas paisagens interiores. Ruínas estão num momento arquitetônico de transição, já foram ditas como ”a forma física da tragédia”.


O teórico Walter Benjamin dizia que "a história humana está fisicamente fundida no cenário natural". Em “A Origem do Drama Trágico Alemão”, a concepção de Benjamin da ruína se mostra como um meio de expor  “a verdade enterrada debaixo camadas de falsa estética romântica. “ E assim, fornece a base para um exame mais aprofundado das inter-relações entre estética e política; alegoria e símbolo; monumento e ruína.

 

Talvez sejam ruínas processos, em vez de um estado de ser. De acordo com o arquiteto Betül Demir, as ruínas, e as imagens das ruínas, têm mantido um fascínio moral, emocional, e estético ao longo da história, e isto deve-se em parte ao seu estatuto ambíguo como meio edifício, meio natureza, mas também ao seu valor único como manifestações físicas dos efeitos destrutivos do tempo, e, portanto, como representações da própria história. 

 

​​Na costa de Olinda, de quase às margens do Rio Beberibe, na divisa com o Recife, até a orla moderna, onde diques seguram um mar em avanço, há resquícios de um passado já quase que totalmente engolido. Décadas atrás, haviam quatro ruas que adentravam paralelamente em direção ao horizonte. Na praia dos Milagres, eram conhecidas casas de vida noturna. Hoje, são carcaças de concreto e de pedras lascadas. E também outras relíquias que surgem da areia, que quiçá se encaixem nas validações da arqueologia; pedaços de azulejos e estruturas que parecem sair de uma certa antiguidade. Tudo se mistura com lixos do cotidiano da cidade, uma parte da costa quase descartada ao abandono. 

 

As ruínas também podem estar nos olhos de quem as vê - são uma reivindicação criativa de símbolos de uma ruptura com o passado, ou, paradoxalmente, da continuidade. Além disso, porque o seu significado não pode ser controlado, apresentam uma resistência à mercantilização da história, o que, nos mundos da arte, é de valor imensurável. Enquanto ainda existem ruínas, elas cumprem uma função crítica, perguntando: "o que arruinou o passado? “ e nos atormentam com visões do futuro.

¹ Boym, Svetlana. “Ruinophilia: Appreciation of Ruins.” The Off-Modern, 2011. 

² Ibid.

³ Simmel, Georg. “The Ruin.” The Hudson Review 11, no. 3 (1958): 371–85.

⁴ Gzowska, Alicja. “Sic Transit Gloria Mundi (Polish Photography and Ruins).” View: Theories and Practices ofVisual Culture 4 (2013): 1–9. 

⁵ Benjamin, Walter. The Origin of German Tragic Drama. London: Verso, 1928.

⁶ Demir Betül. “Ruinophilia.” Delft University of Technology, Department of Architecture, 2015.

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