Vidro-do-Mar e História
por Ted Greiner
Os humanos que vivem perto de uma costa marítima provavelmente sempre atiraram grande parte do seu lixo ao mar, pois isso evita que seja infestado por ratos e insetos. Há muito que os navios atiram o seu lixo no mar. Os naufrágios contribuem para o fardo que lhe impomos. O mar destrói gradualmente o lixo em sua grande maioria (exceto o plástico, infelizmente), mas não destrói de fato o vidro. Assim, semelhante a ruínas de edifícios, os vidros que ficam nos fascinam, por conta da forma da natureza interagir com o que nós, humanos, fazemos; com todas as ambiguidades que nos trazem à mente.
No mar, muito do nosso vidro é partido em pedaços menores e alguns acabam nas praias. Ao longo de décadas, a areia, o mar e a luz solar mudam gradualmente a sua forma, textura superficial, e muitas vezes até a sua cor. Depois de passar várias décadas numa praia, o vidro já não brilha. Tem uma textura fosca. Já não tem arestas vivas; foram arredondadas. Os químicos utilizados em sua fabricação mudam ou se livram dele, por vezes mudando a sua cor. Processos semelhantes ocorrem com artigos de cerâmica, porcelana, oleira, e mesmo azulejos e outros materiais de construção.
Cada peça desta, chamada “vidro-do-mar”, tem uma história, uma narrativa por trás, muitas vezes chamada de "proveniência". A maior parte do vidro-do-mar é branco (de garrafas de vidro transparente, frascos, e até janelas), marrom (garrafas de cerveja), ou verde esmeralda (certas garrafas de refrigerante e cerveja). Um verde suave ou espumado e vários tipos de acqua são as cores padrão de muito vidro feito de areia (devido ao seu conteúdo em ferro), e por isso, depois dos produtos químicos com que foi tratado para que a lixiviação fosse clara com o tempo, muitos retornam a esta cor. O vidro velho de garrafa de Coca-Cola é geralmente desta cor. Antes de 1920, o mineral manganês era utilizado no vidro e a luz solar pode transformá-lo numa cor lavanda, ou com selénio, o que resulta em vidro-do-mar amarelado ou laranja. O vidro do início dos anos 1900, o chamado vidro-de-depressão, pode eventualmente tornar-se cor-de-rosa ou cor de pêssego. O vidro de frascos de remédios antigos ou frascos de tinta pode ser azul cobalto ou azul centáurea, acqua escuro, ou verde escuro. Cores incomuns podem provir de luzes traseiras de automóveis (vermelho, laranja ou amarelo), isoladores eléctricos (preto ou roxo escuro), vidro cinzento de ecrãs de TV antigos, e vidro de arte de qualquer cor.
Mas o vidro-do-mar mais fascinante é o vidro negro, encontrado em Olinda. Pelo menos parece negro na praia, e pode confundir-se com uma pedra. Segurando-o contra o sol, vemos que na realidade é uma cor verde-azeitona escura, normalmente. Garrafas de cerveja e licor eram normalmente guardadas em vidro desta cor nos anos 1700 e 1800. Mas algumas foram guardadas em garrafas especiais para uma utilização especial - trata-se de vidro muito espesso feito para garrafas que deviam ser mantidas a bordo de um navio durante muito tempo, para que o balançar do barco não o partisse. Muito deste que encontramos pode, de fato, ser o famoso "vidro pirata". O vidro negro parece ser mais comum nas praias de Olinda do que na maioria das regiões do mundo que já percorri, inspirando pensamentos de possibilidades românticas, tais como os "Piratas das Caribe" que teriam vindo até ao sul do Recife; contrabandistas de escravos que operavam em Pernambuco nas décadas de 1830 e 1840; ou, mais atrás na história, os holandeses, que estavam fortemente envolvidos no comércio enquanto faziam de Olinda a sua capital ocupada; e, mesmo depois de terem sido expulsos, os corsários holandeses podem ter estado ativos na região.
As praias de Olinda não têm muita cerâmica/china, mas há peças ocasionais do que parece ser cerâmica antiga. Os achados mais comuns são os materiais de construção. Estes vão desde peças de tijolo, betão, telhas, ladrilhos de chão, e telhas de parede. Têm estilos bastante diferentes, sugerindo que vieram de casas destruídas pela erosão em diferentes épocas históricas. Em 1909, o porto no norte de Recife foi construído e ampliado. Isto alterou os padrões das correntes de água a norte, resultando num aumento da erosão na zona de Olinda. Isto foi bastante severo na década de 1930, destruindo muitos edifícios perto das praias, particularmente nas zonas de Milagres, Carmo, e a parte do Farol. Presumivelmente, esta é a razão da proliferação de materiais de construção espalhados a diferentes níveis em muitas praias de Olinda.